Quem é o Culpado?*
Entregas não realizadas, prazos não cumpridos, usuários insatisfeitos, oportunidades de mercado perdidas, executivos pressionando, cobrança, equipe desmotivada. Como fazer para reverter este cenário? Como fazer para conquistar a confiança? Este cenário é muito comum e a “necessidade” de se encontrar um culpado faz a corda arrebentar para o lado mais fraco. Isso vale para uma área de Produto, um departamento de Marketing ou Comercial, para a área de TI ou qualquer outra que trabalhe com entregas ou projetos.
Nem sempre prazos apertados ou impossíveis, falta de definição dos requisitos, mudanças de escopo constantes e falta de comprometimento de outras áreas envolvidas são levados em consideração para se avaliar o melhor direcionamento para o projeto ou produto. Nada! O importante é encontrar logo o culpado e “passar o mico”. A bomba vai estourar na ponta e a ponta é exatamente quem vai fazer a entrega final. Muitas vezes, por mais esforço que se faça, não é possível recuperar o tempo perdido e as entregas não acontecem, ou os prazos são perdidos ou ainda a qualidade passa longe do desejado. O maior problema, porém, é a insistência em repetir esta sistemática. Não vai dar certo! Vai dar problema de novo e mais cobranças e desconfianças sobre quem está buscando fazer as entregas.
Então, para obtermos resultados diferentes, precisamos fazer diferente! É importante olhar todo o processo e comprometer todos os envolvidos, fazendo com que as áreas trabalhem e funcionem de forma colaborativa. Não é fácil na cultura de empresas que ainda insistem em encontrar culpados e execrar os erros e, por isso, o trabalho precisa ser mais profundo. Ele passa por uma transformação e mexe na cultura, nas pessoas, e nos processos, para que todos entendam seu papel e se comprometam com a entrega final como uma equipe, independentemente da área em que atuam.
Parece simples, mas sabemos que não é tão fácil assim. Existem muitas questões envolvidas no ambiente corporativo: política, vaidade, metas dos executivos (normalmente, não convergentes), orçamento e etc., que acabam inibindo o comportamento desejado de colaboração e comprometimento com o mesmo fim. Muitas vezes, as equipes recebem a solução pronta a ser implementada. E este é o pior dos mundos. É muito importante que o time conheça a direção, a estratégia e tenha um propósito. Reunindo as competências corretas e, com o direcionamento adequado, a equipe vai encontrar as melhoras soluções. Ao fazer isso, conquista-se um dos maiores ingredientes do sucesso: engajamento.
O caminho para esta mudança passa por quebras de paradigmas e o uso de formas de trabalho menos intuitivas, que compõem o arsenal existente de novas práticas. Muitas delas são conhecidas como práticas ágeis. Particularmente, prefiro referenciá-las como práticas pragmáticas. Pois elas são objetivas para a entrega de resultados e não trabalham pela forma em si. Muitas vezes, existe mais esforço para se gerir ou controlar o projeto do que o esforço para se realizar a entrega. Quando você dispende muito esforço para manter o projeto dentro do seu roteiro e deixa de focar nos que é realmente importante, seguir uma metodologia deixa de fazer sentido.
Estas práticas, desde que passamos a usá-las, trouxe uma nova realidade para as equipes em questão. Várias das práticas pragmáticas ou ágeis são muito simples, mas requerem muita disciplina e processos estruturados para garantir as entregas. Requerem ainda transparência e muita interação entre as áreas envolvidas, que acaba garantindo a participação de todos em prol do objetivo comum. Deixa de ser aquela “linha de produção” que, a cada etapa do processo, uma área passa para outra até finalizar o objetivo do trabalho. Neste tipo de processo, um elo que se quebra estraga toda a entrega final ou a existência de um “gargalo” compromete todo o fluxo. Ao contrário, as novas práticas, ao garantir a participação de todos durante o processo de produção único, garante também a integração do grupo, como uma equipe, com o foco no produto final e comum a todos. Assim, a preocupação deixa de ser a necessidade de se apontar um culpado pela quebra de um elo ou por ser o “gargalo”, mas de se garantir a entrega do grupo como um todo e a colaboração flui.
Estas mudanças culturais, processuais e de foco não estão limitadas, porém, a equipe que será responsável pela entrega final, ali na ponta. Elas precisam ser estendidas e ocorrer em todo o “value stream”, desde seu início nas definições estratégicas e a escolha correta do portfólio (“o que fazer”). Importante que todos passem a entender as mudanças que estão por vir. O foco tem que ser dado no valor a ser gerado pelo que se está entregando. Então, entender como captar este valor e medi-lo passa a ser de grande relevância e chave em todo o processo. A entrega também precisaria ser bem feita (estamos falando da qualidade)… É claro! E é importante ter este fluxo estruturado (o “como fazer”). Mas, a esta altura, o trabalho colaborativo já estaria estabelecido: uma transformação em todos os níveis, através da criação de uma cultura de participação, autonomia, engajamento, responsabilidade, transparência com aprendizado contínuo e muito trabalho em equipe para entrega de valor para o negócio.
Cláudio Barizon